By Marcelo Rocha
As mudanças climáticas são reais e os eventos extremos por todo o mundo se fazem cada vez mais presentes, junto a isso vem a necessidade de ação e políticas que possam reduzir esses impactos. Mas essa ação tem um custo financeiro que deve ser calculado para evitar uma fatura climática enorme no futuro.
Um dos melhores exemplos disso é o transporte marítimo internacional, um dos assuntos cruciais para pensar o comércio global.
O transporte marítimo é responsável por cerca de 3% de todos os gases de efeito estufa, o que é aproximadamente equivalente à pegada de carbono anual do Brasil.
Uma nova e importante análise descobriu que a adoção de políticas climáticas ambiciosas para o setor agora, incluindo uma taxação sobre o carbono, é muito mais barata para a economia global a longo prazo e pode ajudar a garantir a igualdade econômica.
Essa conclusão surge no contexto de intensas negociações climáticas na Organização Marítima Internacional (IMO) das Nações Unidas e é um claro sinal para os governos, incluindo o Brasil: uma taxação global sobre o transporte marítimo é necessária e acessível. A próxima rodada de negociações em setembro e outubro em Londres é a melhor oportunidade para fechar um acordo sobre essa política e ajudar a limpar o setor de transporte marítimo a custos mais baixos.
No ano passado, os 175 estados membros da IMO – incluindo o Brasil – participaram de um acordo histórico sobre o transporte marítimo, comprometendo a indústria a se tornar zero emissões até 2050. Eles têm agora até abril de 2025 para concordar com um conjunto de medidas para alcançar essa meta.
A IMO já concordou que essas políticas precisam incluir alguma forma de precificação das emissões, como uma forma de acelerar a transição limpa e garantir que nenhum país fique para trás.
A precificação das emissões por meio de uma taxação é um método testado e comprovado para reduzir emissões, impulsionar investimentos em soluções limpas e gerar financiamento para a ação climática.
Uma taxação sobre o transporte marítimo exigiria que as empresas pagassem uma taxa por cada tonelada de gases de efeito estufa que produzem, tornando os combustíveis fósseis mais caros e incentivando investimentos em energias alternativas para o transporte marítimo, como tecnologia moderna de energia eólica e combustíveis de emissão zero. As receitas arrecadadas com a taxação poderiam ser um divisor de águas para países em desenvolvimento, muitos dos quais estão na América Latina e não podem arcar sozinhos com os custos da transição limpa do transporte marítimo.
Os principais especialistas mundiais da Agência de Comércio e Desenvolvimento da ONU (UNCTAD) realizaram uma análise de ponta para ajudar a entender os impactos que diferentes cenários de taxação teriam sobre os estados e o comércio.
A conclusão principal deste estudo em larga escala, publicado há apenas algumas semanas, é que a ausência de uma taxação resultará em maiores impactos econômicos globais, especialmente nos estados menos preparados para enfrentá-los.
Esses impactos podem ser reduzidos pela metade com uma taxação de US$ 150 a US$ 300, o que geraria receita suficiente para compensar os estados e equilibrar os custos. Distribuir essa receita para os países em desenvolvimento mais vulneráveis, especialmente os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) e os Países Menos Desenvolvidos (LDCs), beneficiaria tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento, estimulando o comércio.
Grandes economias, como o Brasil, devem sentir os menores efeitos negativos diretos no PIB em um cenário sem taxação, devido à nossa excelente infraestrutura comercial. Mas esses impactos ainda seriam sentidos internacionalmente, enfraquecendo nossos parceiros comerciais e prejudicando os mais vulneráveis.
Uma lacuna importante no relatório é que ele não considera os custos da própria mudança climática, que podem chegar a US$ 38 trilhões por ano até 2050. Embora a ação climática no transporte marítimo não possa eliminar esses riscos e custos sozinha, ela pode desempenhar um papel crucial na mitigação e na redução drástica desses custos insanos.
Existem algumas propostas inteligentes e concretas de taxação na mesa para a IMO considerar, que estão alinhadas com os melhores cenários modelados pela UNCTAD. O plano mais ambicioso vem dos estados insulares do Caribe e do Pacífico, propondo uma taxação de US$ 150 por tonelada de gases de efeito estufa. O plano destinaria as receitas aos estados em desenvolvimento, particularmente os SIDS e LDCs, para a ação climática e fortalecimento da resiliência, tanto no setor marítimo quanto além.
Nos últimos anos, o Brasil tem orgulhosamente liderado os esforços globais em clima, justiça e equidade, defendendo uma maior ambição climática e protegendo os interesses dos mais vulneráveis nos fóruns da ONU. As negociações sobre a taxação do transporte marítimo na IMO poderiam ser nossa joia da coroa.
Não apoiar uma taxação não beneficiaria ninguém e ainda prejudicaria diretamente os mais vulneráveis, conhecendo bem as consequências. O que contradiz o caminho que temos criado para a COP 30 que vem ao Brasil no próximo ano.
Espero que possamos chegar na IMO em Londres em setembro e outubro para ver de perto como os países abordaram essas negociações cruciais à luz do importante relatório da UNCTAD. O Brasil pode sinalizar esperança para o mundo no campo do comércio global e as questões climáticas, mas precisamos de ação nesse momento.